A menina que matava caracóis

Filosofias úteis, inúteis e outras coisas que você pode não precisar.

Arquivo para o mês “abril, 2012”

Baiana cafeeira

É uma figura curvilínea e delineada, cromada numa mescla de moreno e pele queimada de sol. Não discorro apenas sobre o rosto – e nem seu corpo inteiriço seria termo bom o bastante para extravasar essa sensação dentro de mim; é algo mais profundo e suavemente perfeito, impossível de identificar se não a fitar atento: sua energia – sim, creio esta a palavra adequada a usar! – espalha sensualidade extremamente sutil na mira dos olhos (olhos estes seus adornados em curtas e altivas sobrancelhas), como se emanasse o calor de curvas corpóreas em tênue camada ou em pequenas ondas – afetando gradual e imperceptivelmente os voyeurs ao redor.

Por vezes, ao lhe observar os lábios carnudos e os torneios das coxas e das pernas, surge-me a impressão de que ela toma ciência dessa aura em soberba mansa; em contrapartida, há momentos nos quais me pego próxima à certeza de sua inocência perante suas condições contagiosas. Apesar de seus traços não serem exatamente delicados, parece-me uma dama de época (dessas vividas nos primórdios cafeeiros do Brasil) chamando a atenção dos moços com sua beleza nativa passada pelo quente da pele e voluptuosidade dos seios – tornando-se ainda mais atraente pelos respeito próprio que também exibe ter. Os cabelos enegrecidos em breu caem, esgueirando-se por entre os ombros e um vestido histórico enfeitado de verde e rosa pastel soa completamente apropriado.

Por fim, não existe conclusão correta a esta descrição pessoal – prefiro prender-me apenas ao perfume incolor imaginário que me inebria enquanto divago ao sentir o ar passando por meus pulmões.

Silêncio dourado

Às vezes creio impossível que seja tudo tão mecânico. As pessoas acordam cedo, entram no carro, vão trabalhar, almoçam, tornam à labuta, entram de volta no automóvel e retornam à casa. E toda a poeira de cimento no chão, as roupas estampadas das senhoras, o asfalto pisoteado da rua parece tão comum a todos. Se a vida que nos cerca é tão comum, qual o sentido da mesma então? Se todos os dias são iguais, se nunca saímos da rotina, qual a graça de estar aqui?

Eu acredito que todos devem chegar ao mesmo ponto. Começamos em partidas diferentes: cada qual com seus defeitos e qualidades. E o tempo (ou até mesmo o destino) vai cuidando de consertar os declínios e acentuar os bons predicados. Assim, quedamos vivos o necessário até aprendermos tudo aquilo que precisamos aprender. Alguns erros nossos naturais não se curam e nunca devem se curar: pois são eles, junto a outra gama de qualidades, que constroem nossa essência mais bela e única. É tão lindo descobrir a história de cada um… Porque atrás de cada rosto inocente ou rabugento, por trás de cada tipo de cultura há sempre algo interessante e inacreditável. Além de cada cabelo longo ou saia curta, cada valor erguido ou características inatas: todos choramos e sorrimos, não é mesmo? E ao mesmo tempo que obtemos a proeza de crescermos tão iguais, somos tão perfeitamente diferentes… Qualquer um tem algo a ensinar, indepentende de sua classificação social.

A vida é como uma voz suave e intensa, que nos percorre num violeta macio, subindo do interior do corpo até a garganta, tão delicado que nos faz quase levitar. Involuntariamente aguçam-se os ouvidos, o corpo arrepia numa sensação prazerosa e um sorriso abre no rosto. Você tem vontade de olhar a rua, a cidade, abraçar o mundo e gritar bem alto coisa alguma como se extravasasse a alegria de estar vivo! Depois começa-se a rir, entremeando mais alguns pequenos gritos de contentamento. Então você olha o céu e observa-o com atenção, percebendo como é bonito seu tom de azul e a ternuna do algodão das nuvens… Cada brisa te faz voar de olhos fechados, flutuando acima da pólis… Esquece-se de todos os dilemas, lembra-se apenas do maravilhoso silêncio gritante da audição aguçada. É possível ouvir o brilho da cor do oxigênio estalando em faíscas douradas por entre as partículas atmosféricas. E nada nunca lhe pareceu tão surpreendente.

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