Republicação dos melhores textos #6: Pão
Nós só fomos comprar pão. Enquanto esperava minha mãe escolher o pacote que mais lhe agradasse, avistei um casal. Ambos pareciam estar em seus dezessete anos. A moça tinha os cabelos alisados artificialmente e tingidos num laranja adouradados, as sobrancelhas finas em um dos extremos e os olhos coloridos num azul muito aguado; não era feia de rosto. Já o rapaz mostrava o cabelo empinado com gel, brincos, aneis e colares; não era bonito de rosto. Os dois estavam segurando os braços um do outro e conversando alguma coisa na qual não prestei atenção. Me pareceu um casal comum. Pareceu. Mãe, eu quero danone, eu ouvi. Era um garotinho – aparentando quatro ou cinco anos – que saiu de trás da mocinha. Logo após a inesperada fala, mirei os olhos nos olhos da moça, esperando ansiosa pela resposta como numa estreia de cinema. Não, ela disse. Mas eu quero!, ele continuou. Toma, ela respondeu tomando nas mãos um doce de mocotó (daqueles em tirinhas brancas e rosas), danone pra você, e começou a rir com o produto nas palmas. O que é isso?, ela perguntou ao rapaz, ainda rindo. Sei lá, ele respondeu colocando o doce de volta no lugar. Depois disso, voltei a não prestar atenção no papo deles. Fiquei pensando comigo mesma, escrevendo na mente o texto que você lê agora. Que judiação, eu pensei, são crianças, são imaturas pra esse tipo de coisa. Não sabem nem o que é um doce de mocotó, como saberão criar um filho? Fitei por várias vezes, os olhos aquarelados da menina que também me encarou reciprocamente. Tive a impressão de que não me apreciou, de que lia meus pensamentos. Uma vez a mais em meus anos de vida fiquei sem reação: só consegui olha-lá e pensar um pouco. Fui e voltei algumas vezes, seguindo a minha mãe. Em algumas dessas miúdas viagens, cruzei novamente com a garota e voltei a observar seus olhos. Não sei porquê, sempre examino os olhos das pessoas em situações problemáticas, tristes e creio que embaraçosas. As íris, as pupilas parecem sempre me contar alguma coisa. As dessa garota me mostraram uma pessoa arrependida mas que, ao mesmo tempo, não se importava muito. Não sei, não posso afirmar nada. O que sei é que fomos comprar pão, avistei os dois, observei, pensei, compramos pão e fomos embora. Só comprar pão.