A menina que matava caracóis

Filosofias úteis, inúteis e outras coisas que você pode não precisar.

Arquivo para o mês “fevereiro, 2011”

Republicação dos melhores textos #6: Pão

Nós só fomos comprar pão. Enquanto esperava minha mãe escolher o pacote que mais lhe agradasse, avistei um casal. Ambos pareciam estar em seus dezessete anos. A moça tinha os cabelos alisados artificialmente e tingidos num laranja adouradados, as sobrancelhas finas em um dos extremos e os olhos coloridos num azul muito aguado; não era feia de rosto. Já o rapaz mostrava o cabelo empinado com gel, brincos, aneis e colares; não era bonito de rosto. Os dois estavam segurando os braços um do outro e conversando alguma coisa na qual não prestei atenção. Me pareceu um casal comum. Pareceu. Mãe, eu quero danone, eu ouvi. Era um garotinho – aparentando quatro ou cinco anos – que saiu de trás da mocinha. Logo após a inesperada fala, mirei os olhos nos olhos da moça, esperando ansiosa pela resposta como numa estreia de cinema. Não, ela disse. Mas eu quero!, ele continuou. Toma, ela respondeu tomando nas mãos um doce de mocotó (daqueles em tirinhas brancas e rosas), danone pra você, e começou a rir com o produto nas palmas. O que é isso?, ela perguntou ao rapaz, ainda rindo. Sei lá, ele respondeu colocando o doce de volta no lugar. Depois disso, voltei a não prestar atenção no papo deles. Fiquei pensando comigo mesma, escrevendo na mente o texto que você lê agora. Que judiação, eu pensei, são crianças, são imaturas pra esse tipo de coisa. Não sabem nem o que é um doce de mocotó, como saberão criar um filho? Fitei por várias vezes, os olhos aquarelados da menina que também me encarou reciprocamente. Tive a impressão de que não me apreciou, de que lia meus pensamentos. Uma vez a mais em meus anos de vida fiquei sem reação: só consegui olha-lá e pensar um pouco. Fui e voltei algumas vezes, seguindo a minha mãe. Em algumas dessas miúdas viagens, cruzei novamente com a garota e voltei a observar seus olhos. Não sei porquê, sempre examino os olhos das pessoas em situações problemáticas, tristes e creio que embaraçosas. As íris, as pupilas parecem sempre me contar alguma coisa. As dessa garota me mostraram uma pessoa arrependida mas que, ao mesmo tempo, não se importava muito. Não sei, não posso afirmar nada. O que sei é que fomos comprar pão, avistei os dois, observei, pensei, compramos pão e fomos embora. Só comprar pão.

Republicação dos melhores textos #5: Grandpas

Logo que cheguei cumprimentei minha avó. Ao ver que meu avô não se encontrava em nenhum dos cômodos de porta aberta da casa, perguntei por ele e ela me informou que o mesmo estava no banheiro – o enfermeiro o estava cuidando – mas que podíamos vê-lo, porque ele estava vestido. A porta se abriu e avistei meu avô sentado num banquinho. Dei-lhe um beijo, um abraço, disse ‘oi’, perguntei se tudo estava bem. Ele padeceu. Os olhos fechados, a cabeça baixa, a boca ainda trancada. Repeti a pergunta, mas a mesma reação. Vovó disse que ele não estava mais tão lúcido, não respondia mais às pessoas, ficou quieto demais. Parecia deprimente. Dei um jeito de sair de perto, me dirigi ao outro banheiro e tranquei a porta. Chorei. Até então – mesmo no estado em que ele estava – eu ao menos podia ouvir a sua voz, poder vê-lo olhar em meus olhos, ainda que não me reconhecesse por vezes. Pois sentamos à mesa para almoçar. Durante toda a refeição, peguei-me observando vovô comer, parar suas ações de repente e desligar-se do mundo. Dei atenção também às mãos da minha avó. Gastas pelo tempo, manchadas pela idade, as veias salientes por seus traços esverdeados e a aliança. A aliança fina, dourada, tão idosa quanto. Um pouco larga, intrínseca ao anelar. Um romance de não-ficção pertencendo à ela. Até que comentei algo sobre meu avô e começaram a lhe dirigir às palavras. Ele não falava, não respondia. Até que me decidi e fiz o tal pedido que desde sempre fiz (por adorar a resposta): “Vovô, dá um sorriso pra mim?”. Ele finalmente abriu os olhos num azul-piscina quase fluorescente, dando a impressão de estarem prestes a saltarem em cima de quem os mira. A insegurança me tomou conta, temi de que ele não atendesse minhas preces e tornasse a cabeça para baixo – o que lembraria a todos de seu estado não-lúcido e traria um clima pesado para tomar conta do ar. Mas ele sorriu.

Republicação dos melhores textos #4: O pé de moleque

Porque mulher de tpm é tão chato? Pô, estou brava, estou carente, estou irritada e tudo contra a minha vontade! Posso dizer todos os motivos para eu não estar assim, mas isso não me convence. Que droga. Ah, mas aconteceu uma coisa engraçada esse fim de semana: estavámos eu e minha irmã em um sítio e resolvemos fazer uma encenação da primeira atuação da GaGa com a Beyoncé, na caminhonete, em Telephone – que, aliás, é meu vídeoclipe favoritaço.

Agora, se você não viu a primeira cena das duas, veja. Acredite: você vai precisar. Se não quiser esperar até a cena, ao menos veja do 4:45 ao 5:08. A não ser que você já tenha visto em outro lugar e lembre de todos os detalhes. Ai, o que você ainda está fazendo aqui: independentemente de ter visto ou não, veja porque esse é o clipe mais legal que existe! Ok, agora você já deve ter visto, então: sabe aquela coisa que a Honey B morde e depois dá pra GaGa morder (e ela quase não solta mais)? Bem, como não tínhamos disso, o substituímos por um pé de moleque gigante. G_G Muito bem, estávamoslá: minha irmã de Beyoncé e eu de GaGa. Ela deu uma mordida. Eu dei uma mordida (e quanse não soltei mais). E uma ficou olhando pra cara da outra com aquele pé de moleque grotesco nas mãos da minha irmã.

Vai, caramba! Joga logo! – Eu gritei. E minha irmã jogou um pé de molecão quase inteiro pela janela. -.-º – Porque você fez isso, Cristo?!

Ué, você mandou jogar logo!

Mas era pra fingir!

E lá se foi o pé de moleque. Apodrecendo na grama, sem ninguém com coragem de pegar e jogar no lixo.

Beijinhos,

Letii

Republicação dos melhores textos #3: Exato

Nem se um dia me dessem a chance, dinheiro, casa mobiliada, marido, filhos e um futuro certamente promissor eu iria querer alcançar a perfeição. Não quero, não gosto. Se me permitem chamá-Lo de pessoa – para um melhor analogia –  Deus é a única pessoa perfeita existente num planeta inteiro e nunca foi visto, tocado ou contatado. Além do mais,  a única pessoa perfeita está sendo chamada de pessoa por causa de uma analogia, ou seja, nem pessoa ele realmente é! Tais fatores me levam a concluir novamente: não quero ser perfeita. Em primeiro lugar, já sou uma esquecida pelo mundo e pela sociedade, viver isolada do ersto da população é pedir para morrer sozinha; em segundo lugar, a condição humana me encanta (tanto em aspectos físicos como psicológicos). Mas, o que é essa condição? É o posto de defeitos, declines e maus-entendidos. É tudo aquilo que se deixa levar pela carne, acha que sabe tudo mas teme o desconhecido. É a definição exata de imperfeição. Me agrada essa ideia – não para fazer “tipo” ou porque aprendemos com os erros – porque, quase inexplicavelmente, me agrada. Ser composto de defeitos acentuados ou leves (assim como qualidades) que ajudam na construção de uma personalidade que identifique exclusivamente uma única pessoa é um conceito tão humano quanto maravilhoso para mim! Ser humano e ser humano é, como dito, é a definição exata de imperfeição. Exato: adjetivo masculino; precisão, em que não há erro, ajustado com perfeição. Não tinha pensado nisso.

Republicação dos melhores textos #2: Pelo resto da vida

Sentei-me em silêncio e deixei que a água escorresse pelo meu corpo. Sempre fui uma pessoa difícil com sentimentos, não sei se deixo transparecer. Só pude perceber o que é amor incondicional quando escrevi um livro. Só entendi minha seção espiritual depois de catorze anos no catolicismo. Só me dei conta de que Sutilmente era a música perfeita para uma certa personagem depois de ouví-la mil vezes. Só consegui entender o que é sentir saudades irreversível depois de dezesseis anos.

Apesar de já ter perdido um avô e um primo e achar que sabia muito bem o que era a essência do luto, até hoje não havia entendido o sentimento. Sempre pensei na morte mais que na vida. Resolvi que não tinha medo de morrer – afinal, com ou sem medo, eu morreria de qualquer jeito – tentei vê-la da melhor forma possível, achei-a justa, dediquei dias à ela. Mas me contaram uma história de morte, essa tarde. E eu pensei de novo. Digo, pensei nela de novo. Já debaixo do chuveiro, tentando relaxar um pouco e terminar o assunto, quis me discontrair com alguma música – mas aquele clima não me permitiu uma alegre ou divertida, somente as tristes e solitárias. Acabei por cantar When you’re gone. No começo do refrão, pude sentir os braços arrepiarem e a janela aberta já era apenas uma desculpa para olhar para algum lugar. Pensei em meu avô, em meu primo. Traduzindo as palavras em minha cabeça, quis conjugar o verbo noutro tempo para que este se encaixasse melhor com a situação. “Quando você se for, as palavras que preciso ouvir para passar o dia e fazer tudo ficar bem… Sinto sua falta.”. Pai. Foi a primeira pessoa que me veio à cabeça. Me pus a chorar. Senti o equivalente a mil homens com medo da morte, questionei Deus – porque essa injustiça?! Para que morrer, quando se pode ficar e acompanhar quem mais te gosta?! Porque me tirar essas pessoas, caramba?! – tive raiva, tristeza, fiz e falei o que disse que nunca faria, senti-me humana como jamais antes. Não quis tirar conclusões racionais e filosóficas, só sentir o momento. Sentei-me em silêncio e deixei que a água escorresse pelo meu corpo. As gotas escorregando por minhas pernas, cascatas em meus seios e umbigo, o líquido pesando em minha nuca. Levantei a cabeça, endireitei a coluna: mais cascatas em meus cílios e queixo. As pernas machucadas pelo ar gelado. Olhei para cima, observando a cachoeira acima de mim. Cansei-me. Estava com frio e com dor. Estava a tempo demais no chuveiro. Desliguei o aparato, me envolvi na toalha lilás. E aqueles vinte minutos de tardio real sentimento de luto valeram-me pelo resto da vida.

Republicação dos melhores textos #1: A mentira

Olá, queridos leitores! Me desculpem por tanto tempo sem postar. Pois bem, estava eu a pensar em como daria um jeito de atualizar o blog no pouco espaço de tempo que resta livre durante a semana. Deixar o blog abadonado não era algo que eu gostaria de cogitar. Leva um tempo para escrever coisas novas, para desenvolver (ainda mais quando se está tentando decorar qual folheto embrionário origina quais sistemas do orgasnimo humano). Então, resolvi que republicarei alguns textos (já que, os antigos quase não são vistos)! Como links não se dão muito bem com os computadores de algumas pessoas, decidi colocar aqui tudo de novo. Isso será feito da seguinte maneira: haverão três Top 10’s. Serão eles: Top 10 Melhores textos (de acordo com meu julgamento), Top 10 Mais visitados (de acordo com estatísticas do servidor) e Top 10 Mais comentados (também de acordo com estatísticas). Caso algum texto se encaixe em mais de uma categoria (mais comentados e mais visitados, por exemplo), não será republicado duas vezes. Indicarei a(s) categoria(s) e a posição do ranking ao título de cada texto. Comecemos hoje mesmo, então. Aproveitem.

 

Todo ser humano é obrigado a entrar na realidade. É, porque vive nela. Faz parte do real. Alguns já nascem superrealistas, mas outros precisam de uma ajuda. E eu fui uma das que precisou. Não afirmo que tenha adiantadao algo, mas precisei. Desde que comecei a brincar, ler e escrever, abri minhas portas ao mundo da fantasia. Personagens aqui, histórias ali, tudo do meu jeitinho. E tudo foi muito bom até o tempo me pegar, me envelhecer e tirar minhas regalias. Se trancar a sete chaves num cofre de surreal já não era mais permitido e eu tinha a obrigação de fincar meus pés ao chão e viver o que acontecia à minha volta. Fui até medicada por causa disso. Senti-me triste, arrancada de meu próprio lar. Se sempre morei ali, por que me mudar? Já conhecia a todos, suas ações e reações, emoções, perguntas, respostas. Mesmo que os vizinhos divergissem de minhas opiniões e atitudes, eu já estava na vizinhança há anos e aprendi a conviver naquele meio. Exatamente.

Aos meus poucos anos de idade, antes mesmo da famosa puberdade, tinha uma imagem totalmente hipócrita, clichê e banal de frases como “Vou parar de respirar se não te ver nunca mais”, “Preciso de você para viver”, “Eu te amo incondicionalmente”. E são apenas alguns dos exemplos. Ao meu ponto de vista, era tudo da boca pra fora, dito para encantar e todos acharem maravilhoso. Mas isso mudou. Minha convivência no bairro de meus sonhos me tornou uma pessoa mais empática. Esse mundinho particular me proporcionou sentir-me como jamais sentira antes. Alegria genuína, tristeza inconsolável, saudades de verdade. Coisas que eu tinha certeza de saber o que eram e terminei por perceber que não era bem assim. E montei meu sobradinho na realidade – ainda que muito ligada à imaginação – e lidei com as situações utilizando do que me foi passado noutro lugar. Aconselhei, amadureci, me felicitei. O que todos reprimiam em mim é o meu maior bem, pois foi a “mentira” que me fez compreender a verdade.

É o seguinte

Chegaram as aulas e o último ano també. Vestibular, Enem, estuda, vai – sabe como é.
E, em função disso, estou há um bom tempo sem postar.
Ainda não em acostumei a essa vida. -.-º
Mas vou me organizar, tá?

Beijinhos e mil perdões,

Letii

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