A menina que matava caracóis

Filosofias úteis, inúteis e outras coisas que você pode não precisar.

Gladiadora

Eu me sinto verdadeiramente forte, como se meu grito mudo percorresse o mundo numa frequência tão alta e arrebatadora que eu fosse capaz de recrutar meus próprios guerreiros apenas com o som da minha voz. Mas ninguém sabe da minha força, ninguém sente sua presença como eu a sinto. Ela é maravilhosa, intensa, brilhante, explosiva. Ela me ama, ela me ergue, ela me sustenta. Como um soldado à beira da morte, que se levanta no campo de batalha entre os cadáveres de seus companheiros, perseverante e incisivo, pronto para terminar de ganhar a luta. E o pecado me é tão lindo. O pecado de resurgir num brado de guerra, empunhando a espada brilhando o sangue ao sol. A farda verde suja, desgastada, rota. Mas você está ali em pé, tremendo as pernas de fadiga mas segurando-as com a energia da coragem, com a adrenalina do desejo de vencer pulsando violentamente em suas veias. A respiração ofegante, o rosto sujo de terra, a boca ressecada, o sangue misturado à poeira aderente à sua pele. E no olhar, lembrando de tudo o que você passou, todos a quem amou, lembra da causa pela qual está lutando. É uma promessa, é sua dignidade, é uma pessoa, é um mundo inteiro perfeitamente construído. E você chora, apertando os olhos para não embassar a visão com as lágrimas. Você chora pela emoção, você chora por ainda estar ali, você chora por saber que não vai desistir tão perto do ouro. A pele arrepia, seu coração aperta, tão insistente quanto sua mira das íris. Seu ponto fixo de visão é o líder inimigo, extremamente poderoso, com os braços cruzados pronto para te matar. Ele é mais forte, mas não melhor que você. Ele franze a testa, de orgulho ferido, e pergunta: Por que?. E você, num sorriso cansado e confiante, sentindo o choro impregnado nos cílios, responde: Porque eu tenho uma causa e alguém para quem voltar. Pondo-se em posição de ataque, ele já com o ego muito ofendido, vocifera: Isso não te torna mais poderoso. Um pequeno riso sarcástico escapa da sua boca. Não, não faz. Você é o poder em pessoa, realmente. E eu sou um ninguém, um fraco, um exilado. Eu vim das cinzas, do lixo. E isso me fez guerreiro, porque nada me veio de mão beijada. Eu aprendi a lutar por mim mesmo por questão de necessidade e sem deixar de amar os outros. Eu aprendi que a garra nos sustenta o corpo, fortalece os músculos. A garra, a coragem, o empenho é tudo o que eu sou.Vê o brilho nos meus olhos? Isso é o que eu chamo de causa. E minha própria causa sou eu, porque ninguém vai morrer por meus pecados. Eu sou meu Cristo, meu mártir e meu herói. E quem me acolhe quando meu corpo está trêmulo demais é o mesmo que me faz respirar depois de quase me afogar. E quer saber? É nesse respirar que eu sinto a vida entrando em mim e preenchendo cada um de meus órgãos com seu brilho sutil e encantador. Eu aprendi que a gente precisa cair, errar e morrer para tornar à vida com objetivos cada vez mais fortes. Mas eu não morro mais. Não me permito morrer. Não agora. Não enquanto eu puder sentir a energia pulsante da vida em mim. Mas você está certo, isso não me faz mais poderoso que você: me faz invencível. Um gladiador encarando o leão. Eu não preciso de armadura, não preciso de armas. Eu tenho a mim mesmo. E você, tem a quem?

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9 opiniões sobre “Gladiadora

  1. Juliane em disse:

    Leti, foi você que escreveu? Todos os textos é de você mesma, né?

  2. Muito obrigada, mutíssimo obrigada!

  3. muito, mas muito bom mesmo teu texto guria, parabéns =D

  4. Pingback: Gladiadora – Poetisa Urbana

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