A menina que matava caracóis

Filosofias úteis, inúteis e outras coisas que você pode não precisar.

Esses meus tempos

“Mas nada fica..
Em cinquenta anos ou mais,
tudo mudará, você vai ver.
Mas tudo é divino nos dias de hoje!”
Nowadays, Chicago soundtrack

A começar por predicados físicos, seus cabelos são cromáticos em prata. Os olhos em formato bem redondo, de um azul velho que parece cansado e sobrancelhas quase inexistentes. As mãos magras de veias fortes e saltadas que eu gosto tanto de observar. A dupla de aliança num dedo da mão direita, a pele manchada de idade. Seu corpo é levemente curvado e não traz traços femininos explicitamente acentuados, mas é graciosa. Ela discorre sobre a vida, me enaltecendo importantes valores que devo comigo levar. Não devemos desdenhar nada nem ninguém, ela me diz. E eu sorrio. Pergunto sobre irmãos, pais, avós. Ela me fala novamente sobre o pedido de namoro do meu avô a seu pai – crônica que eu adoro! – e sinto a saudade e alegria, alegria!, como ela diz, em seus olhos. Viva la gioventù!, ela repete quando eu e minha irmã fazemos graça. Como eu gosto dela… Mas como eu gosto dela! Devaneio em meio às suas falas que aludem a épocas antigas, quando ela ainda era jovem. O bairro pobre, o clube da comunidade alemã, a matinê do cinema, a rua iluminada só até a parada do bonde. Imagino-a caminhando pelas ruas da velha São Paulo num vestido suavemente amarelo, cabelos presos e uma sandália como que de boneca. Vejo-a adolescente em seu rosto e ela devia ser linda. As memórias… As memórias de alguém são algo que se deve guardar. Guardar bastante bem, muito perto de si e não deixar ninguém roubar. Penso no futuro. No meu futuro. O que hoje é tão moderno a nós, será obsoleto aos nossos filhos. E, sim, eu vou contar minhas histórias. O que aprontei, o que aprendi, os namoros que tive, os apertos que passei, as horas gastas na companhia das amigas. E eles vão achar lindo. Vão me imaginar mais nova, estudando, traquinando. Vão me imaginar como se fosse eles e lastimarão pelo anseio de ter conhecido esses meus tempos. É a época mais preciosa de uma vida: a felicidade. Fico contente por você, vó. Por ter tudo isso a me passar e minutos a dedicar. Você não poderia ser mais perfeita.

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2 opiniões sobre “Esses meus tempos

  1. lindo o texto e me identifico com ele (:
    Ah, sem duvida nenhuma as historias dos nossos avós são as melhores. Espero que para meus netos também sejam assim.
    Espero que meus netos fiquem fascinados com as historias que um dia irei contar.

    bjs bjs

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